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19 de Abril de 2024
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    STF concede liminar para limitar texto da MP 936/2020

    há 4 anos

    Acaba de ser proferida decisão liminar pelo Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), em resposta a ADI n. 6363, distribuída pelo Partido Rede Sustentabilidade determinando que acordos individuais de redução de jornada de trabalho, de salário ou suspensão de contrato, conforme prevê a MP 936/2020, sejam comunicados aos sindicatos.

    Em suas palavras, decidiu o Ministro:

    "Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes.

    Abaixo, transcreve-se a íntegra da liminar concedida, in verbis:

    MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

    6.363 DISTRITO FEDERAL

    RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

    REQTE.(S) : REDE SUSTENTABILIDADE

    ADV.(A/S) : CASSIO DOS SANTOS ARAUJO E OUTRO (A/S)

    INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

    PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

    Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Partido Rede Sustentabilidade, em face da Medida Provisória 936/2020, especificamente contra os seguintes dispositivos:

    “Art. 1º Esta Medida Provisória institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020

    Art. 7º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até noventa dias, observados os seguintes requisitos:

    I - preservação do valor do salário-hora de trabalho;

    II - pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos; e

    [...]

    Art. 8º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados, pelo prazo máximo de sessenta dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de trinta dias.

    § 1º A suspensão temporária do contrato de trabalho será pactuada por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos.

    § 2º Durante o período de suspensão temporária do contrato, o empregado:

    I - fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados; e

    II - ficará autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo.

    § 3º O contrato de trabalho será restabelecido no prazo de dois dias corridos, contado:

    I - da cessação do estado de calamidade pública;

    II - da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e suspensão pactuado; ou

    III - da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de suspensão pactuado.

    [...]

    Art. 9º O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em decorrência da redução de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória.

    § 1º A ajuda compensatória mensal de que trata o

    caput:

    I - deverá ter o valor definido no acordo individual

    pactuado ou em negociação coletiva; [...]

    Art. 11. As medidas de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva, observado o disposto no art. 7º, no art. 8º e no § 1º deste artigo.

    [...]

    § 4º Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos desta Medida Provisória, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração.

    Art. 12. As medidas de que trata o art. 3º serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva aos empregados:

    I - com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais); ou

    II - portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

    Parágrafo único. Para os empregados não enquadrados no caput, as medidas previstas no art. 3º somente poderão ser estabelecidas por convenção ou acordo coletivo, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento, prevista na alínea a do inciso III do caput do art. 7º, que poderá ser pactuada por acordo individual. [...]” (grifei).

    Em síntese, o requerente sustenta que a MP 936/2020 viola os arts. , VI, XIII e XXVI, e , III e VI, da Constituição, razão pela qual pleiteia, desde logo, a concessão de medida cautelar, nos seguintes termos:

    “[...] devem ser suspensos, a fim de afastar o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho, o § 4º do art. 11; e o art. 12, na íntegra; bem como das expressões ‘individual escrito entre empregador e empregado’ do inciso II do art. 7º; ‘individual do inciso II do parágrafo único do art. 7º; ‘individual escrito entre empregador e empregado’ do § 1º do art. 8º; ‘individual” do inciso II do § 3º do art. 8º; e ‘no acordo individual pactuado ou” do inciso I do § 1º do art. 9º.” (pág. 20 da petição inicial).

    Ao final, requer:

    [...]

    “c) Julgamento pela procedência desta ADI, para declarar a inconstitucionalidade, a fim de afastar o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho, o § 4º do art. 11; e o art. 12, na íntegra; bem como das expressões ‘individual escrito entre empregador e empregado ‘do inciso II do art. 7º; ‘individual do inciso II do parágrafo único do art. 7º; ‘individual escrito entre empregador e empregado’ do § 1º do art. 8º; ‘individual’ do inciso II do § 3º do art. 8º; e ‘no acordo individual pactuado ou’ do inciso I do § 1º do art. 9º.” (págs. 21 e 22 da petição inicial).

    É o relatório. Decido.

    De início, assento que os autos foram-me distribuídos em 2/4/2020, tendo a MP atacada entrado em vigor no dia 1º/4/2020. Tais fatos, por si sós, estão a demonstrar que se mostra urgente a entrega da prestação jurisdicional quanto ao pedido cautelar.

    Destaco, antes de tudo, que o País enfrenta uma calamidade pública de grandes proporções, reconhecida como tal pelo Decreto Legislativo 6/2020, expedido em meio a uma pandemia resultante da disseminação da Covid-19. A rápida expansão dessa doença motivou a promulgação da Lei 13.979/2020, que prevê a adoção de medidas excepcionais, no campo sanitário, para combatê-la. A singularidade da situação de emergência vivida pelo Brasil e por outras nações mostra-se indiscutível.

    Para enfrentar algumas das consequências dessa grave crise, no plano econômico, o Governo Federal editou a Medida Provisória aqui impugnada, que institui o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”, dispondo sobre determinadas providências para enfrentá-las. Ocorre que, segundo alega o autor deste feito, a reação governamental, consubstanciada na edição da referida MP, vulnera direitos e garantias dos trabalhadores resguardados pela Constituição.

    Ora, num exame ainda perfuntório da inicial, próprio desta fase processual, parece-me que assiste razão, em parte, ao partido político que a subscreve. Com efeito, a análise dos dispositivos do texto magno nela mencionados revelam que os constituintes, ao elaborá-los, pretenderam proteger os trabalhadores - levando em conta a presunção jurídica de sua hipossuficiência - contra alterações substantivas dos respectivos contratos laborais, sem a assistência dos sindicatos que os representam.

    Para melhor aclarar a questão em debate, transcrevo abaixo os artigos do texto constitucional que foram invocados nesta ação:

    “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

    [...]

    VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

    [...]

    XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

    [...]

    XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

    [....]

    Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

    [...]

    III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

    [...]

    VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

    5

    [...]” (grifei).

    Ora, o confronto, ainda que sumário, dos preceitos constitucionais acima listados com os dispositivos contestados da MP 936/2020 desperta forte suspeita de que estes, conforme alega o autor da ação, afrontam direitos e garantias individuais dos trabalhadores, que, como se sabe, configuram cláusulas pétreas.

    Corroborando esse ponto de vista, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA emitiu nota pública em que afirmou, a respeito da referida Medida Provisória, o quanto segue:

    “1. A expectativa, num cenário de crise, é de que a prioridade das medidas governamentais se dirija aos mais vulneráveis, notadamente, aqueles que dependam da própria remuneração para viver e sustentar as suas famílias. Tais medidas devem ser, além de justas, juridicamente aceitáveis. Na MP 936 há, contudo, insistência em acordos individuais entre trabalhadores e empregadores; na distinção dos trabalhadores, indicando negociação individual para ‘hiperssuficientes’; na desconsideração do inafastável requisito do incremento da condição social na elaboração da norma voltada a quem necessita do trabalho para viver; e no afastamento do caráter remuneratório de parcelas recebidas em razão do contrato de emprego, que redundará no rebaixamento do padrão salarial global dos trabalhadores e das trabalhadoras. Tudo isso afronta a Constituição e aprofunda a insegurança jurídica já decorrente de outras mudanças legislativas recentes.

    2. A Constituição de 1988 prevê, como garantia inerente à dignidade humana, a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, IV). Por isso, a previsão de acordos individuais viola a autonomia negocial coletiva agredindo, primeiro, o sistema normativo que deve vincular todos os Poderes Constituídos e, segundo, a Convenção nº 98 da OIT, que equivale a norma de patamar superior ao das medidas provisórias.

    3. A Constituição promove o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI), como autênticas fontes de direitos humanos trabalhistas, permitindo que incrementem a condição social dos trabalhadores e das trabalhadoras (art. 7º, caput). Portanto, em autêntico diálogo das fontes normativas, a prevalência de acordos individuais ou de acordos coletivos depende da melhor realização da finalidade de avanço social. Medida Provisória não pode eliminar, alterar ou desprezar a lógica desse diálogo das fontes jurídicas, que ocorre, aliás, em outros campos do direito.

    4. A Constituição determina aos Poderes a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), por isso, não se pode, absolutamente, diferenciar os trabalhadores e as trabalhadoras, em termos de proteção jurídica, pelo critério do valor do salário, sendo proibida diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX). Diferenciar os trabalhadores e as trabalhadoras, para permitir acordo individual, negando a necessidade de negociação coletiva, acaso recebam remuneração considerada superior e tenham curso superior, é negar a força normativa da Constituição e do Direito do Trabalho. A proteção jurídica social trabalhista, como outras proteções jurídicas, é universal, e não depende do valor do salário dos cidadãos.

    5. Benefícios, bônus, gratificações, prêmios, ajudas compensatórias e quaisquer outros valores pagos em razão da existência do contrato de emprego detêm natureza presumidamente salarial. Embora possa o poder público afastar essa possibilidade para diminuir a carga tributária dos empregadores, não pôde fazê-lo quando a finalidade é atingir o cálculo de outras parcelas trabalhistas devidas aos trabalhadores e às trabalhadoras, como férias, 13ºs salários, horas extras e recolhimento do FGTS, considerando que, na prática, se isso ocorrer, haverá rebaixamento do padrão salarial global.

    6 A ANAMATRA reafirma a ilegitimidade da resistência de setores dos poderes político e econômico que intentam transformar uma Constituição, que consagra direitos sociais como fundamentais, em um conjunto de preceitos meramente programáticos ou enunciativos. Ao contrário, são a preservação e o prestígio dessa mesma ordem que, ao garantirem a harmonia das relações sociais e trabalhistas, permitirão ao País uma saída mais rápida e sem traumas desta gravíssima crise. Por isso, a ANAMATRA exorta trabalhadores e empregadores a cooperarem e celebrarem avenças coletivas, o que incrementa a boa fé objetiva dos atores sociais e assegura a justiça proveniente do diálogo social.

    Por fim, a ANAMATRA espera que outras medidas de aperfeiçoamento possam ser adotadas e reforça que a Constituição prevê no seu art. 146 um regime diferenciado para as micros e pequenas empresas, que podem ser beneficiadas com a suspensão de débitos de natureza fiscal, creditícia e administrativa, que poderia se constituir em um grande pacto de desoneração dessas empresas, com o objetivo de que consigam, como contrapartida, manter os empregos.”1

    Em sentido semelhante, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho - ANPT manifestou sua preocupação com

    “[...] o reiterado afastamento da negociação coletiva na implementação das aludidas medidas emergenciais, relativamente a considerável parcela dos vínculos de trabalho, sobretudo quando referentes à redução de salários e suspensão de contratos de trabalho, pois a Constituição da República garante como direito do trabalhador brasileiro a irredutibilidade salarial, só sendo possível a diminuição dos salários a partir de negociação coletiva (art. 7º, VI). Prever a redução salarial sem a participação dos sindicatos de trabalhadores, mesmo em tempos de crise acentuada, é medida de natureza inconstitucional.

    Verifica-se que, nos termos do art. 12 da MP n. 936, a redução de jornada/salário e a suspensão contratual podem ser implementadas por meio de acordo individual entre empregado e empregador, relativamente aos empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (correspondente a 3 salários mínimos) e aos portadores de diploma de nível superior e remuneração igual ou superior a duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, figura equivocadamente denominada de ‘trabalhador hiperssuficiente’, inserida pela reforma trabalhista no parágrafo único do art. 444 da CLT.

    Além disso, conforme dispõe o parágrafo único do art. 12 da MP, também pode ser negociada individualmente a redução de jornada/salário em até 25%, independentemente do valor da remuneração do trabalhador.

    Ao dispensar a negociação coletiva para implementação das medidas emergenciais sobretudo aos trabalhadores com mais baixa remuneração (até 3 salários mínimos), a MP 936/2020 acentua ainda mais o aludido quadro de violação às normas constitucionais e internacionais que garantem a negociação coletiva como instrumento constitucional e democrático destinado à composição dos interesses de empregados e empregadores, especialmente quanto aos trabalhadores mais vulneráveis, ‘convidados’ a negociar sob ameaça de perda do emprego em momentos de crise.

    Nesse sentido, ao tempo em que reconhece avanço nas medidas previstas na MP n. 936/2020, comparativamente à normativa anterior, a ANPT reitera a preocupação com as normas dos arts. , 7, II, , § 1º, , § 1º, I, e 12, que autorizam a flexibilização de direitos trabalhistas extremamente sensíveis no período de calamidade pública, mediante simples acordo individual entre empregado e empregador, caminhando em sentido diametralmente oposto ao patamar civilizatório projetado pela Constituição de 1988 para as relações sociais, notadamente as relações de trabalho, que prevê, nesse tipo de situação, garantias fundamentais como a preservação da negociação coletiva”2.

    As críticas dessas conhecidas associações, que congregam membros de importantes categorias funcionais - juízes e procuradores do trabalho - abstraída a sua compreensível contundência - não podem deixar de ser levadas em consideração. Sim, porque as incertezas do momento vivido não podem permitir a adoção acrítica de quaisquer medidas que prometam a manutenção de empregos, ainda que bem intencionadas, sobretudo acaso vulnerem - como parecem vulnerar - o ordenamento constitucional e legal do País.

    Na hipótese sob exame, o afastamento dos sindicatos de negociações, entre empregadores e empregados, com o potencial de causar sensíveis prejuízos a estes últimos, contraria a própria lógica subjacente ao Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral.

    Não obstante, o combate aos efeitos deletérios da pandemia que grassa entre nós e em todo o mundo, exige imaginação e flexibilidade, sem que se passe ao largo das recomendações emitidas por organismos internacionais especializados, como a Organização Internacional do Trabalho - OIT, bem assim das medidas adotadas por outros países.

    A OIT, recentemente, veiculou orientação na qual reconhece que todas as empresas, independentemente de seu porte, mas particularmente as pequenas e médias empresas, estão enfrentando sérios desafios para sobreviverem, havendo perspectivas reais de declínio significativo nas receitas, insolvência e redução do nível de emprego.3

    Nesse cenário, a OIT entende que o diálogo social tripartite, envolvendo governos, entidades patronais e organizações de trabalhadores constitui ferramenta essencial para o desenvolvimento e implementação de soluções sustentáveis, desde o nível comunitário até o global.

    Enfatiza, ainda, que a Recomendação sobre Emprego e Trabalho Decente para Paz e Resiliência (2017) consigna que as respostas às crises devem garantir o respeito aos direitos humanos fundamentais, sobretudo os decorrentes das relações de trabalho, e também levar em consideração o papel vital das organizações de empregadores e empregados na construção de respostas às crises.

    Com relação à experiência internacional, Renan Kalil destaca que países europeus anunciaram medidas para proteger os trabalhadores diante da disseminação da Covid-19, as quais revelam a importância da promoção do diálogo entre todas as partes envolvidas, especialmente aquele com o caráter tripartite supra mencionado. Sublinha, mais, que as soluções para a crise sanitária cujos reflexos impactam o mundo do trabalho precisam ser, obrigatoriamente, construídas pelos atores sociais que dele são protagonistas.

    Não se trata aqui, obviamente, de adotar soluções alienígenas, desconsiderando-se a realidade brasileira, mas sim de reconhecer que, em outros países, plenamente integrados ao capitalismo global, a necessária participação das organizações representativas dos trabalhadores nas tratativas vem sendo respeitada.

    A assimetria do poder de barganha que caracteriza as negociações entre empregador e empregado permite antever que disposições legais ou contratuais que venham a reduzir o desejável equilíbrio entre as distintas partes da relação laboral, certamente, resultarão em ofensa ao princípio da dignidade da pessoa e ao postulado da valorização do trabalho humano, abrigados nos arts. , III e IV, e 170, caput, da Constituição. Por isso, a norma impugnada, tal como posta, a princípio, não pode subsistir.

    É bem verdade que o Poder Judiciário, como um todo, e Supremo Tribunal Federal, em particular, precisa agir com extrema cautela diante das graves proporções assumidas pela pandemia da Covid-19. No entanto, não é dado aos juízes, independentemente da instância a que pertençam, seja por inércia, comodidade ou tibieza, abdicar de seu elevado múnus de guardiães dos direitos fundamentais, sobretudo em momentos de crise ou emergência.

    Por isso, cumpre à Suprema Corte enfrentar a questão sob exame com a devida parcimônia, buscando preservar ao máximo o texto normativo sob ataque - certamente editado com a melhor dos propósitos - sem, contudo, renunciar à sua indelegável tarefa de conformá-lo aos ditames constitucionais.

    Nesse sentido, relembro que o art. 11, § 4º, da MP 936/2020, assim dispõe:

    “Art. 11. As medidas de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva, observado o disposto no art. 7º, no art. 8º e no § 1º deste artigo.

    [...]

    § 4º Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos desta Medida Provisória, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração.”

    Pois bem. Tudo indica que a celebração de acordos individuais “de redução da jornada de trabalho e redução de salário ou de suspensão temporária de trabalho”, cogitados na Medida Provisória em comento, sem a participação dos sindicatos de trabalhadores na negociação, parece ir de encontro ao disposto nos arts. 7, VI, XII e XVI, e 8, III e VI, da Constituição.

    É que “[o] acolhimento expresso pelo constituinte do princípio da irredutibilidade salarial reafirma o caráter alimentar e a essencialidade do salário no âmbito da relação jurídica de emprego”, ressalvada a sua flexibilização, prevista no próprio regramento constitucional, “mediante negociação coletiva”.

    Segue-se, portanto, que os acordos coletivos, “[quando] dispuserem sobre redução salarial, inclusive como forma de administrar crises, viabilizado a própria garantia de emprego, serão perfeitamente admitidos pela ordem constitucional”. A contrario sensu, não se permite a exclusão das entidades sindicais dos acordos que reduzam salários pela legislação ordinária.

    Mas a mera previsão, na MP 936/2020, de que tais acordos “deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato representativo da categoria, no prazo de até dez dias corridos” aparentemente não supre a inconstitucionalidade apontada na inicial. Isso porque a simples comunicação ao sindicato, destituída de consequências jurídicas, continua a afrontar o disposto na Constituição sobre a matéria.

    Por isso, cumpre dar um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato laboral na negociação. E a melhor forma de fazê-lo, a meu sentir, consiste em interpretar o texto da Medida Provisória, aqui contestada, no sentido de que os “acordos individuais” somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados.

    Na ausência de manifestação destes, na forma e nos prazos estabelecidos na própria legislação laboral para a negociação coletiva, a exemplo do art. 617 da Consolidação das Leis do Trabalho será lícito aos interessados prosseguir diretamente na negociação até seu final.

    Alguns poderiam objetar que essa solução assume o aspecto de uma sentença de natureza aditiva, ainda pouco usual em nossa prática forense, porém já admitida pela doutrina,10 superando a tradicional postura das Cortes Constitucionais de simples legisladores negativos. Mas tal não é o caso, pois o que se pretende com o referido encaminhamento é simplesmente colmatar as lacunas porventura resultantes da hermenêutica constitucional com dispositivos já existentes no ordenamento jurídico.

    Ainda que assim não fosse, o Supremo Tribunal, em inúmeras ocasiões – e com crescente desassombro – tem suprido omissões observadas na legislação levada a seu escrutínio de modo a compatibilizá- la com a o espírito e a letra do texto constitucional.

    Por meio da solução acima alvitrada, pretende-se preservar ao máximo o ato normativo impugnado, dele expungindo a principal inconstitucionalidade apontada na exordial, ao mesmo tempo em que se busca resguardar os direitos dos trabalhadores, evitando retrocessos. E mais: almeja-se, com a saída proposta, promover a segurança jurídica de todos os envolvidos na negociação, especialmente necessária nesta quadra histórica tão repleta de perplexidades.

    Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes.

    Solicitem-se informações à Presidência da República.

    Requisitem-se a manifestação do Advogado-Geral da União e o parecer do Procurador-Geral da Republica.

    Comunique-se, com urgência. Publique-se.

    Brasília, 6 de abril de 2020.

    Ministro Ricardo Lewandowski

    Relator

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    7 Comentários

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    Uma questão a ser aplamente discutida será quando o Sindicato não concordar com as reduções propostas ou com a suspensão do contrato, pois não havendo acordo em negociãçao coletiva a questão deverá ser submetida à apreciação judicial e até que venha a ser decidida haverá um vácuo temporal em que os Empregados poderão ser prejudicados. continuar lendo

    João, eu já acho que do ponto de vista prático a decisão não funciona. Muitos sindicatos estão fechados no período da pandemia e não possuem canal de comunicação. Logo, como o empregador vai provar que notificou o sindicato do acordo individual? Por correios não será, pois as entregas também estão prejudicadas. Por outro lado, com essa decisão, o Ministro acaba por dar uma arma muito poderosa na mão dos sindicatos, inviabilizando qualquer acordo individual. Será que os Sindicatos vão aceitar de bom grado redução salarial e suspensão contratual sem querer nada em troca? Era mais fácil o Ministro ter dito que para fazer redução da jornada/salário, apenas seria possível através de acordo coletivo.

    Agora, não entendi o porque de estender tal obrigação no campo da suspensão contratual, já que esta modalidade não possui previsão Constitucional.

    Att continuar lendo

    Eis as questões.
    Como o empregador deverá proceder? Cancelar o acordo indiviual, devendo o empregado retornar ao trabalho ou a sua jornada normal? O empregador deverá fazer outra notificação ao Ministério da Economia, informando que o acordo foi extindo e que, portanto, o empregado não fará jus ao Benefício Emergencial? O Benefício Emergencial será pago proporcionalmente aos dias em que o acordo vigorou ou o empregador assumirá esse encargo?
    Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas. continuar lendo

    Seria interessante uma profunda reflexão, quanto aos viés políticos, bem ainda, os reais interesses de sindicatos que o ministro está defendendo, pois, ao meu humilde olhar, a MP é clara quanto ao lapso temporal de sua aplicabilidade, isto é, tem validade de X tempo, lapso temporal da crise, cujo objetivo maior, é primeiro, salvar e prevenir a população da pandemia, mas, também, salvar as empresas, pois, quando superar a pandemia, pode o trabalhador retornar ao seu emprego com a devida segurança financeira que as empresas precisam ter, para que assim, possam honrar com suas obrigações, quer seja de encargos trabalhistas, quer seja de cargas tributárias. continuar lendo

    Para as empresas não sindicalizadas? Como proceder? continuar lendo

    Impressionante!
    A liminar deferida pelo Min. Levandovski, traz o art. 11º da MP 936 à constitucionalidade, no entanto, não explicita o tempo que o sindicato tem para deflagar a negociação coletiva, sendo, desta forma, omisso em sua decisão. A crise está deflagrada, os empresários não terão folego para manter os trabalhadores, e o dispositivo que traria um breve alento aos trabalhadores e aos empresários merece no mínimo ser tratada com a urgência que o momento exige. continuar lendo

    Marcos,

    Repare que o Ministro cita o prazo do artigo 617 da CLT. Entendo que, após notificação dos sindicatos, o prazo a ser considerado é o deste diploma legal.

    Abraços continuar lendo